Não Há Ensinamento Sobre a Morte Eterna no Antigo Testamento
No capítulo anterior deste livro comentamos sobre Ezequiel 18. Permitam-me acrescentar aqui algumas palavras. Todos os que estudam o Antigo Testamento cuidadosamente e o compreendem sabem que nele não existe ensinamento sobre a morte eterna, tampouco existe algo semelhante à punição eterna. Todas as mortes mencionadas no Antigo Testamento referem-se à morte do corpo, e o único lugar para onde as pessoas vão após morrerem é o Hades, e não o inferno. Poucas passagens mencionam a palavra inferno. Contudo, tais passagens são traduções erradas ou deveriam ser interpretadas de outra forma. Todas as mortes mencionadas no Antigo Testamento são a morte do corpo. Elas não são a morte eterna. O Antigo Testamento foi escrito aos judeus. Por serem homens terrenos, suas faltas também eram terrenas, e suas punições, punições terrenas.
Não estou dizendo que não haja a morte eterna no Antigo Testamento. Contudo, o Antigo Testamento nunca nos ensina nada sobre a morte eterna. No Antigo Testamento, os que eram abençoados por Deus tinham muito gado, ovelhas, ouro e prata. Esses eram os sinais da bênção de Deus. Mas no Novo Testamento, os que são abençoados por Deus podem dizer: “Não possuo nem prata nem ouro, mas o que tenho, isso te dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, anda!” (At 3:6). No Antigo Testamento havia o ouro e a prata. No Novo Testamento não há prata nem ouro. O Antigo Testamento, ainda que não trate exclusivamente das coisas da carne, fala principalmente do aspecto físico e material das coisas. No Antigo Testamento, quando um homem era abençoado por Deus, ele desfrutava uma vida longa, tinha muitos descendentes e muita riqueza. Essas eram as bênçãos do Antigo Testamento. Todavia, no Novo Testamento não vemos essas coisas. Pelo contrário, vemos que Tiago morreu e que Estêvão morreu. Muitos foram martirizados por amor ao Senhor; eles não foram de forma alguma amaldiçoados. Além disso, o Novo Testamento nunca tomou a descendência como um item da bênção. Pelo contrário, os que vivem para o Senhor devem permanecer virgens. Portanto, o que o Antigo Testamento nos mostra e o que o Novo Testamento nos mostra são duas coisas totalmente diferentes.
Isso não significa que no Antigo Testamento não haja a morte eterna. Porém, isso não é mostrado como ensinamento. Pelo fato de o homem não compreender essa verdade, o Novo Testamento relata-nos acerca da morte eterna. No Antigo Testamento existem uns poucos lugares que parecem falar da morte eterna, contudo são traduções equivocadas. Um deles é traduzido para o perverso sendo lançado no inferno (Sl 9:17). Na verdade, porém, deveria ser traduzido para o perverso indo para o Hades; é algo temporário, e não para a eternidade. Em Isaías 66:24 menciona-se o verme que nunca morrerá e o fogo que não se apagará. Parece estar falando da mesma coisa que o Evangelho de Marcos (9:48). Mas, por favor, lembre-se de que Isaías não estava dizendo que se os israelitas não se arrependessem iriam para o inferno, onde os vermes não morrem e o fogo não se apaga. Isaías não estava ensinando sobre a morte eterna; estava apenas profetizando a respeito de um grupo de pessoas que irá para o inferno no final do milênio, onde os vermes não morrerão e o fogo não se apagará. Se relacionarmos esse versículo de Isaías com o ensinamento sobre a morte eterna, estaremos impondo-lhe uma conotação que é alheia a ele.
Não Desfrutar a Eficácia de Cristo é Diferente de Estar Separado de Cristo
Precisamos saber de mais uma coisa. Gálatas 5:4 diz: “De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos na lei, da graça decaístes”. Na linguagem original, a palavra “vos desligastes” é katargeo. É um verbo passivo. Há pouco do sentido de separação. Kata tem, até certo ponto, sentido de desligamento, mas o sentido não é muito forte. A palavra katargeo significa ser apartado do efeito e da função. O dicionário de palavras gregas de Stephan pode ser considerado um dos melhores, e ele nos diz que aqui essa palavra significa ser apartado da função. Pode-se ver a diferença entre separação de Cristo e ser afastado da eficácia de Cristo. São duas coisas diferentes. Se alguém deixou Cristo e está separado Dele, então tudo está terminado. Entretanto, não é isso que Paulo está falando aqui. Paulo disse que se eles guardassem a lei, decairiam da graça. Se quisessem apegar-se à lei, teriam de abrir mão da graça. Se seguissem a lei, perderiam a eficácia de Cristo.
Que é a eficácia de Cristo? Se a eficácia de Cristo é manifestada em mim, posso regozijar-me. Embora eu seja fraco e inútil, sei que Sua graça é suficiente para mim, e meu coração pode ficar em paz. Essa alegria e paz que tenho em meu coração é o efeito de Cristo em mim. Isso é Cristo operando Sua eficácia em mim. Eu não tento ser salvo por minhas obras. Sei que já estou salvo. Não necessito esforçar-me para ser salvo. Não preciso suplicar desesperadamente. Tampouco preciso lutar. Posso descansar em Sua obra. Isso é a eficácia de Cristo. Hoje muitos cristãos desviaram-se de Cristo. Cristo não é eficaz neles.
Suponha que eu deva muito dinheiro a alguém. Não posso pagá-lo mesmo que eu venda tudo o que tenho. Ora, tenho um ótimo amigo, e ele me diz que, como estou tão endividado, fará um cheque para que eu quite meus débitos. Contudo, sou preguiçoso, preguiçoso demais para descontar o cheque. Agora tenho dinheiro em casa? Sim, mas também tenho uma dívida em casa. Tenho o cheque, mas ele não é eficaz para mim. A dívida ainda existe, ela não foi paga. Ainda suporto o ônus da dívida. Hoje Deus já nos deu o cheque. Nós, porém, não “descontamos esse cheque” para obter sua eficácia.
Portanto, “estar separado de Cristo“ e “Cristo de nada nos aproveitar” são duas coisas diferentes. Ser separado de Cristo é não ser salvo. Mas nós, cristãos, nunca podemos ser separados de Cristo. Romanos 8 nos diz que não há como sermos separados de Cristo, e que ninguém pode separar-nos do amor de Cristo. A graça que recebemos de Cristo e a bênção que temos da parte de Deus são ordenadas por Deus. Ninguém pode anulá-las. Elas não podem ser anuladas, porque têm por base a justiça. Por meio das muitas obras que Cristo cumpriu por nós, o problema da vida e da morte eternas está solucionado. Não há como anular isso, pois isso está baseado na justiça. No aspecto subjetivo, no entanto, a falta de paz no coração e a contínua presença de tristeza é um problema do cristão. Uma pessoa pode preocupar-se em como receber graça e como preservar sua salvação, e todos os dias seu coração está em dúvida, sem saber o que deve fazer. Quando alguém se aparta da eficácia de Cristo, ele não recebe o efeito que deveria receber de Cristo. Portanto, Gálatas 5:4 nos mostra que ir após a lei é decair da graça. Quando alguém decai da graça ele é apartado da eficácia de Cristo. Portanto, isso não se refere ao homem perder sua salvação após ser salvo. Pelo contrário, refere-se a alguém não ter a alegria e a paz da salvação.
O Argumento Baseado em 1 Coríntios 8:11
Neste livro consideraremos mais alguns versículos. Em 1 Coríntios 8:11 diz-se: “E assim, por causa do teu saber, perece o irmão fraco, pelo qual Cristo morreu”. Esse versículo apresenta um problema. A pessoa citada aqui é claramente salva, posto que é chamada de irmão. É verdade que se trata de um irmão fraco. Contudo, é um irmão, uma pessoa que pertence ao Senhor. Aqui, no entanto, diz que ele pode perecer. A palavra perecer (apollumi - gr.) inclui dois significados. Pode ser traduzida para perecer ou para destruir. Entretanto, essa palavra é a mesma palavra perecer usada em João 3:16, onde diz que todo o que Nele crê não apollumi, mas tem a vida eterna. Se podemos usar a palavra destruir em 1 Coríntios 8:11, então poderíamos traduzir João 3:16 para destruir também. Eis aqui, portanto, um problema.
Ao lermos a Bíblia, não a podemos ler de maneira superficial. Devemos estudar o contexto em detalhes. Somente após lermos cuidadosamente o contexto, poderemos conhecer o que o versículo diz. Não se consegue ouvir claramente o que outros estão dizendo encostando o ouvido na janela. Uma das maiores tolices do mundo é ouvir os outros por trás das portas, através dos buracos das fechaduras, pois pode-se não ouvir o que foi dito antes ou depois. Se você tirasse uma sentença fora do contexto da Bíblia, certamente não seria capaz de entendê-la com clareza. A fim de compreendê-la claramente, deve-se ler o contexto.
O assunto de 1 Coríntios 8 é a proibição aos cristãos de comer comida oferecida a ídolos no templo do ídolo. Os cristãos coríntios supunham que não havia nenhum problema se os cristãos comessem comida oferecida a ídolos no templo do ídolo. Sua explicação era que havia somente um Deus nos céus e na terra. Os ídolos nada são. Se alguém oferece comida aos ídolos, e os ídolos são reais, então as ofertas são reais. Se os ídolos não são reais, então as ofertas não são ofertas, de forma alguma, mas somente comida. Se não são ofertas, que mal há em comê-las? Se os ídolos não são reais, então os templos são apenas não-templos, e nada significaria comer das ofertas nos templos dos ídolos. Eles, portanto, pensavam que as ofertas podiam ser comidas. Isso era o que os coríntios diziam.
Paulo, no entanto, disse que as ofertas não deveriam ser comidas. Sua explicação não era que os ídolos eram reais ou que os templos o fossem. No início do capítulo oito, Paulo disse: “No que se refere às coisas sacrificadas a ídolos, reconhecemos que todos somos senhores do saber”. A palavra “todos” refere-se aos cristãos coríntios. Porque todos têm conhecimento, todos podem comer. Entretanto, “o saber ensoberbece, mas o amor edifica”. O propósito do amor é edificar a outros, enquanto o conhecimento ensoberbece. É verdade que o Pai é Deus, que Jesus é o Senhor, e que os ídolos nada são. Havia, entretanto, muitos irmãos fracos na igreja em Corinto. Eles não tinham o conhecimento; a mente deles não era tão perspicaz como a dos demais. Mesmo que você tentasse explicar-lhes, esses irmãos fracos não entenderiam. Eles ainda pensavam que era contra o mandamento do Senhor fazer algo assim. Alguém precisava lembrar aos “senhores do saber” quem eram esses fracos e quais os seus antecedentes. Hoje você pode achar que os ídolos nada são. Mas aqueles que anteriormente haviam ofertado aos ídolos achavam que estavam ofertando a Deus, por pensar que os ídolos eram deuses. Quando você come você não sente nada. Mas se eles comem é como se estivessem revendo seus pecados passados. Eles não são como você. Você tem o conhecimento, portanto pode comer e ir embora. Mas eles se sentiriam como que fazendo o mesmo que tinham feito antes e pecando como antes. Na mente deles ainda consideravam isso como pecado. Portanto, por causa dos outros cristãos, e por amor a eles, embora você possa ter o conhecimento, é preferível não comer. Você tem o conhecimento, mas eles não. Diante de Deus eles sentem-se condenados em sua consciência. Sentem que cometeram um grande pecado e que estão caindo novamente. Portanto, por causa deles, nós não comemos. Esse é o significado geral dessa passagem.
Os versículos 4 a 7 dizem: “No tocante à comida sacrificada a ídolos, sabemos que o ídolo de si mesmo nada é no mundo e que não há senão um só Deus. Porque, ainda que há também alguns que se chamem deuses, quer no céu ou sobre a terra, como há muitos deuses e muitos senhores, todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as cousas e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós também por ele. Entretanto, não há esse conhecimento em todos; porque alguns, por efeito da familiaridade até agora com o ídolo, ainda comem dessas coisas como a ele sacrificadas; e a consciência destes, por ser fraca, vem a contaminar-se”. Por favor, note a palavra familiaridade aqui. Esse era o antigo hábito deles. O versículo 12 diz: “E deste modo, pecando contra os irmãos, golpeando-lhes a consciência fraca, é contra Cristo que pecais”. Essa passagem ensina as pessoas a se absterem de comida sacrificada a ídolos por causa do amor pelos irmãos. Você não pode agir livremente e colocar seu irmão em dificuldades simplesmente porque você tem conhecimento.
Do versículo 7 até o fim do capítulo, o problema era da consciência. Não se tratava de um problema do espírito. Paulo, aqui, não estava falando acerca da salvação eterna ou da perdição eterna. Paulo nos estava dizendo o que fazer em relação a um irmão com uma consciência fraca. Se um homem faz algo que sabe que pode fazer, sua consciência não o condenará. Se, contudo, faz algo que sabe que não deveria fazer, sua consciência irá condená-lo e reprová-lo continuamente. Por exemplo, sabemos que não precisamos guardar o domingo nem o sábado. Não há problemas em fazer compras e trabalhar no domingo. Nossa consciência nunca nos condena. Isso é uma graça do Novo Testamento. O Senhor não colocou sobre nós o fardo do sábado. Alguns, no entanto, não têm esse conhecimento. Quando fazem compras no domingo, pensam ter cometido um grande pecado. Após terem feito isso, sua consciência não ficará em paz. Às vezes, a questão do pecado é simplesmente uma questão de consciência. A consciência do homem determina para ele quais são seus pecados.
Paulo estava se referindo a um irmão fraco. Outrora esse irmão adorava ídolos. Agora vê outros comendo, e deseja juntar-se a eles. Para você não há problema em comer, porque tem discernimento e sabe que os ídolos nada significam. Portanto, pode comer livremente. Ele come, não porque tenha discernimento, mas porque vê você comendo. O tempo todo em que ele está comendo, ele não tem paz. Você come com alegria. Ele come com temor. Após essa refeição, ele não consegue mais orar. A consciência dele lhe diz que pecou e abandonou a Deus para adorar ídolos, exatamente como costumava fazer. A consciência dele começa a perecer diante de Deus. Ele sente-se culpado perante Deus e acha que está acabado, que voltou aos seus antigos pecados.
Além de João 3:16, a palavra original para perecer também aparece em Lucas 13, 15 e 21. Contudo, nessas três passagens, essa palavra foi utilizada de forma muito diferente. No capítulo treze, Pilatos havia matado diversas pessoas e misturado o sangue delas com os sacrifícios que elas mesmas realizavam. O Senhor Jesus disse às pessoas que não considerassem esses galileus mais pecaminosos do que elas mesmas. A menos que se arrependessem, todos eles igualmente pereceriam. Perecer, aqui, refere-se ao corpo ser morto, e nada tem a ver com a alma do homem. O Senhor disse que houve dezoito mortos quando a torre de Siloé desabou. A não ser que se arrependessem, eles pereceriam da mesma forma. Isso se refere à morte do corpo exterior.
Na parábola do filho pródigo no capítulo quinze, o pródigo disse: “Quantos empregados de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui pereço de fome!” Aqui, morrer não se refere à alma perecer. Portanto, tal palavra não se refere apenas à morte eterna, mas também à morte do corpo e à inanição. Pode-se considerar que alguém perece quando é morto, e pode-se também considerar que alguém perece quando está morrendo de fome.
No capítulo vinte e um do Evangelho de Lucas, o Senhor diz que o cabelo de nossa cabeça de modo algum perecerá (lit.). Até nosso cabelo pode perecer. Ora, não há possibilidade de que isso signifique morte eterna. A partir dessas três passagens, pode-se imediatamente ter uma idéia do que Paulo quis dizer aqui. Ele referia-se a algo que pudesse fazer perecer a consciência de um irmão fraco. Na reunião este poderia não ser mais capaz de orar. Poderia pensar que estava acabado, que havia adorado a ídolos novamente e que havia comido a comida oferecida a ídolos no templo pagão. Ele poderia achar que havia abandonado o Deus vivo e a consciência dele seria destruída por sua causa.
Se lermos cuidadosamente esta porção da Escritura, (1 Co 8) do versículo 7 em diante, veremos por que Paulo disse aquilo. “Entretanto, não há esse conhecimento em todos; porque alguns, por efeito da familiaridade até agora com o ídolo, ainda comem dessas coisas como a ele sacrificadas; e a consciência destes, por ser fraca, vem a contaminar-se”. Por favor, note que isso se refere àqueles cuja consciência, sendo fraca, é contaminada. “Não é a comida que nos recomendará a Deus, pois nada perderemos, se não comermos, e nada ganharemos se comermos”. Este é categoricamente nosso padrão: se comermos não existe mérito, e se não comermos não há perda. Mas os que não têm o conhecimento têm um problema quanto a isso. “Vede, porém, que esta vossa liberdade não venha, de algum modo, a ser tropeço para os fracos”. A fraqueza aqui não se refere à fraqueza moral ou à doutrinária. Pelo contrário, refere-se à fraqueza na consciência. Se ela significasse a fraqueza na condição moral ou doutrinária de alguém, o versículo perderia seu significado. Ela refere-se, sim, à fraqueza na consciência. “Porque, se alguém te vir a ti, que és dotado de saber, à mesa, em templo de ídolo, não será a consciência do que é fraco induzida a participar de comidas sacrificadas a ídolos?” Os que têm consciência fraca pensam que uma vez que os outros podem comer eles também podem. Contudo, se este vem a comer, a sua consciência ficará contaminada. “E assim, por causa do teu saber, perece o irmão fraco, pelo qual Cristo morreu”. Portanto, perecer, aqui, não se refere à perdição eterna de um irmão salvo. Perecer, aqui, refere-se ao tropeço espiritual de um irmão devido à fraqueza.
Se o que 1 Coríntios 8 diz é que o conhecimento de um irmão pode levar o outro a perecer eternamente, então posso dizer que para ser salva ou para perecer, uma pessoa depende do conhecimento de outra. Se esse fosse o caso, eu poderia mandar cada um de vocês para o inferno por meio de meu conhecimento. Se esse fosse o caso, o perecimento de um homem não seria determinado por ele mesmo, mas pelos outros. Sabemos que não pode haver coisa semelhante. A Bíblia diz que todo aquele que crê no Senhor Jesus terá vida eterna. Se um homem perecerá diante de Deus ou não, depende de ele crer no Senhor Jesus. Como poderiam os outros levar-me para o inferno? Isso é absolutamente não-bíblico. Com relação ao uso da palavra perecer, podemos dizer que aqui ela não se refere à questão da vida e morte eternas. Pelo contrário, refere-se ao dano da consciência e a fazer uma pessoa tropeçar.
Prossigamos. O versículo 12 diz: “E deste modo, pecando contra os irmãos, golpeando-lhes a consciência fraca, é contra Cristo que pecais”. Pecar contra os irmãos, aqui, refere-se a levar um irmão fraco a perecer por meio do conhecimento, no versículo 11. Pecar, no versículo 12, refere-se ao perece no versículo 11. O versículo 12 diz que quando você faz seu irmão perecer por causa do seu saber, você está golpeando a consciência fraca dele. Portanto, o perecer mencionado no versículo anterior refere-se ao golpear a consciência. Isso não se refere à vida eterna ou à morte e perdição eternas.
O versículo 13 prossegue dizendo-nos o que é golpear a consciência: “E, por isso, se a comida serve de escândalo a meu irmão, nunca mais comerei carne, para que não venha a escandalizá-lo”. Se você puser esses três versículos juntos, verá o que significa perecer aqui. Perecer é golpear a consciência fraca do irmão, e golpear a consciência fraca do irmão é levar meu irmão a tropeçar. Portanto, os versículos 11, 12 e 13 são três elos unidos. Eles mostram-nos o que é perecer. O que é tratado aqui não é absolutamente o perecer em relação à salvação. Se você insistir em explicar dessa forma, dizendo que uma pessoa salva perecerá, achará difícil sustentar esse argumento. Você enfrentará dificuldades explicando-o dessa forma.
O Argumento Baseado em Tiago 5:20
Tiago 5:19-20 diz: “Meus irmãos, se algum entre vós se desviar da verdade, e alguém o converter, sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele, e cobrirá multidão de pecados”. A partir destes versículos, alguns também inferem que uma pessoa salva pode perecer. Para eles, no versículo 19 temos um irmão, e no versículo 20, temos o pecador. Para eles, o versículo 19 diz para converter um irmão, e o versículo 20 diz que ao converter o irmão, a alma dele é salva da morte. Isso significaria que alguns irmãos precisam converter-se, e alguns precisam ter sua alma salva da morte. Isso não seria simplesmente dizer que um irmão pode perder sua salvação?
Para entender esses dois versículos, existem algumas poucas coisas para as quais devemos atentar. Primeiro, Tiago 5:19 e 20 são como uma montanha solitária: não estão conectados aos versículos anteriores, e nada os sucede. Todas as outras Epístolas na Bíblia têm saudações e bênçãos. Tiago é o único livro que termina dessa maneira. Os versículos 17 e 18 falam de oração. De repente essas poucas palavras parecem surgir do nada. Isso é algo muito peculiar.
Segundo, do primeiro capítulo até o fim, o livro de Tiago trata do amor prático entre os irmãos e irmãs. Por causa do amor há misericórdia, cuidado e a preocupação com os irmãos. Isso é o que o livro de Tiago nos mostra. De 1:1 a 5:18, há uma linha contínua, um alvo definido e um assunto. Os versículos 19 e 20, entretanto, parecem surgir do nada. Pode-se dizer que os versículos de 1:1 a 5:18 estão bem organizados; mas não sabemos de onde vêm esses dois versículos finais.
Terceiro, a princípio, uma vez que Tiago 1 a 5 fala do amor expresso na conduta de alguém, os versículos 19 e 20 não deveriam desviar-se desse ponto. Eles também deveriam dizer-nos o que devemos fazer ou não quando amamos os irmãos. Se um pecador continua no seu caminho errado, e você o salva em amor, você está salvando uma alma da morte. Além do mais, você também cobrirá uma multidão de pecados. Todos os leitores da Bíblia sabem que o que cobre uma multidão de pecados é o amor (1 Pe 4:8). Os muitos pecados citados aqui não se referem a pecados perante Deus. Eles referem-se a pecados diante do homem. Se você converter um pecador do seu caminho errado, Deus não mais se lembrará dos pecados dele e lançá-los-á nas profundezas do mar. Todos os pecados dele estarão debaixo do sangue. Agora, e quanto a nós? Suponha que um irmão fosse muito mau antes de tornar-se cristão. Sua história é cheia de trevas e vergonhosa. Conheço sua história e fatos do seu passado, e eu poderia desvendá-los e expô-los. Mas se expuser seus pecados do passado, estarei agindo contrariamente à vontade de Deus. Deus atirou seus pecados no mar. Após sermos salvos, Deus não mais menciona nossos pecados de outrora. Ao ver um irmão, devo encobrir seu passado, porque entre nós Deus tem encoberto nossos pecados passados.
O versículo 20 trata sobre princípio, e o versículo 19 trata sobre exemplo. Em outras palavras, o versículo 20 é a fórmula, a lei e o princípio da ação, enquanto o versículo 19 é o caso em estudo e a ocorrência individual. O versículo 20 diz que se alguém converte uma pessoa, esta não perecerá e seus pecados serão cobertos perante Deus e perante os homens. O versículo 19 mostra-nos o que ocorre quando um irmão entre nós é desviado da verdade ou tem errado em seu caminho — devemos trazê-lo de volta. A exortação no versículo 19 está baseada no princípio do versículo 20. Se vir um irmão na igreja desviar-se da verdade, você deve recuperá-lo. Quando um pecador é resgatado, sua alma não morrerá e seus muitos pecados serão cobertos. Sendo esse o caso, quanto não devemos fazer o mesmo em benefício de um irmão?! O que Tiago estava dizendo aqui é que devemos fazer pelos irmãos o mesmo que fazemos pelos pecadores. Tiago está nos dizendo que um cristão deve tratar seus irmãos e irmãs com amor e restaurá-los. Esse trecho não está falando de um irmão perecer.
O Argumento Baseado em Hebreus 6:6
Devemos agora considerar Hebreus 6:1-8. Essa passagem apresenta o maior problema da Bíblia. Quase todos os que duvidam que a salvação seja eterna, tomam Hebreus 6 como sua cidade de refúgio. Todos eles obtêm daqui o seu material de apoio. Eles argumentam que se um homem foi salvo e agora caiu, é impossível que ele seja renovado novamente para o arrependimento. Isso não significaria dizer que esta pessoa está acabada e condenada a perecer? Por muitos não terem clareza, eles tomam essa passagem para explicar que o homem perece.
Contudo, devemos perceber que o assunto de Hebreus 6 não é a salvação. Ele nada tem a ver com a salvação. Se alguém deseja entender essa passagem, deve começar do final do capítulo cinco. Ali diz que muitos dos que deveriam estar comendo alimento sólido ainda estão tomando leite. De acordo com sua idade, os cristãos desse grupo já deveriam ser mestres. Entretanto, eles eram como bebês e não estavam progredindo, estavam estacionados. Assim, o capítulo seis começa dizendo: “Por isso, pondo de parte os princípios elementares da doutrina de Cristo, deixemo-nos levar para o que é perfeito”. O assunto de Hebreus 6:1 é, portanto, o progresso, e não a salvação. Se você introduzir a questão da salvação nele, certamente encontrará dificuldades. O propósito desse capítulo é dizer como progredir, e não como ser salvos. A primeira coisa de que devemos tomar nota é que o tópico aqui é o progresso à maturidade, não o regresso à perdição.
O apóstolo estava falando aqui acerca de ser levado à maturidade. Os versículos 1 a 8 podem ser divididos em três seções. Podemos usar três palavras para representar essas três seções. A primeira seção é sobre não ter necessidade, a segunda é sobre não ter possibilidade, e a terceira é sobre não ter direito. Esse trecho, a partir desses três pontos de vista, fala aos cristãos hebreus que eles têm de progredir. Primeiro, eles devem deixar os princípios elementares da doutrina de Cristo e não lançar de novo um fundamento. Os princípios elementares da doutrina de Cristo são como a pedra angular em uma construção. Ao construir um muro, uma pessoa não necessita de duas bases. O apóstolo disse que essas pessoas falavam sobre coisas básicas. Contudo, a base já havia sido lançada; não havia necessidade de fazê-lo novamente. Os princípios elementares da doutrina de Cristo são ensinamentos tais como o arrependimento de obras mortas, a fé em Deus, batismos, imposição de mãos, ressurreição dos mortos e julgamento eterno. Todos esses são os princípios elementares da doutrina de Cristo. O apóstolo disse que isso precisava ser feito somente uma vez. Não havia necessidade de fazê-lo novamente. Ele os estava admoestando a prosseguir para a perfeição.
A segunda seção requer uma introdução. Antes de lermos o versículo 4, deixem-me primeiro fazer-lhes essa introdução. Antes que o apóstolo escrevesse o versículo 4, ele previu que estas pessoas perguntariam: “Se você diz que não devemos lançar a base novamente, que então devemos fazer se pecarmos outra vez? Se uma pessoa falha, retrocede e peca, não deve lançar novamente a base?” Aqui o apóstolo disse algo, antecipando-se ao questionamento deles: “É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados e provaram o dom celestial...”. Se você tiver um Novo Testamento grego nas mãos, verá que a palavra uma vez de acordo com a gramática da língua original não se refere somente ao primeiro item da lista, mas a cada item nessa lista. Poderia ser lido: “Aqueles que uma vez foram iluminados e que uma vez provaram o dom celestial, e uma vez se tornaram participantes do Espírito Santo, e uma vez provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro”. Isso está muito claro no texto original. Eis aqui um homem que foi iluminado, que provou o dom celestial, que se tornou participante do Espírito Santo, e que provou a boa palavra de Deus e os poderes da era vindoura. A era vindoura é o milênio. Essa pessoa provou os poderes do milênio. Em outras palavras, ele viu e provou milagres, maravilhas, curas e expulsão de demônios. Se tal pessoa cai é impossível outra vez renová-lo para arrependimento. “E caíram”. Um irmão inglês, que estudou grego e se especializou no livro de Hebreus por toda a sua vida, disse que esse cair significa levar um escorregão. Quando se diz que é impossível renová-los outra vez para arrependimento, muitos pensam que isso significa perdição. Essa explicação, no entanto, não é válida.
Se houvesse alguém que uma vez foi iluminado, que uma vez provou o dom celestial, que uma vez se tornou participante do Espírito Santo, que uma vez provou a boa Palavra de Deus e que uma vez provou os poderes da era vindoura, seria possível que tal pessoa não pudesse mais se arrepender por ter escorregado? Existem casos de cristãos caídos que se tenham levantado novamente? A Palavra de Deus sem dúvida conta-nos que houve muitos, e a história da igreja também não deixa dúvida de que existiram muitos. Diversos cristãos que certa vez escorregaram, por fim se tornaram os melhores corredores na corrida celestial do reino. Começando com Pedro, tem havido muitos cristãos que caíram e se levantaram. Se não houvesse possibilidade de eles levantarem-se novamente, então Pedro teria sido o primeiro que não poderia ter-se levantado. Ele escorregou terrivelmente. Podemos dizer que ele “quebrou a cara”. Pedro não foi o único. Nesses dois mil anos de história da igreja, inúmeros cristãos falharam. Mas por fim, tornaram-se os melhores testemunhos. Posso enumerar incontáveis provas disso. Se o que foi dito antes estivesse certo, então não deveria ter havido um sequer, pois se houvesse um, a Bíblia estaria errada.
Nessa passagem, há uma palavra no texto original, palin, que significa novamente. Há também outra palavra, anakainizo, logo depois dessa palavra, que significa renovar. Portanto, de acordo com o texto original, essa parte deveria ser traduzida para: “Uma vez tendo escorregado, é impossível novamente renovar para arrependimento”. O apóstolo dizia aos cristãos hebreus que o arrependimento das obras mortas, a fé em Deus, o ensino de batismos e da imposição de mãos, da ressurreição dos mortos e do juízo eterno, são todos princípios elementares da doutrina de Cristo. Se uma vez foram iluminados, uma vez provaram do dom celestial, uma vez participaram do Espírito Santo, uma vez provaram da boa palavra de Deus, e uma vez provaram dos poderes da era vindoura, e então escorregaram, eles não podem lançar novamente a base e não podem outra vez ser renovados para arrependimento.
Por favor, lembre-se de que o arrependimento aqui é a base mencionada na primeira seção. Esse arrependimento não é o arrependimento genérico, pois nos versículos anteriores existem seis itens dos princípios elementares da doutrina de Cristo. O primeiro é o arrependimento de obras mortas. Portanto, não podemos tomar o arrependimento que temos em nosso conceito e igualá-lo ao arrependimento aqui. Devemos considerar o contexto da Escritura e explicá-la segundo o pensamento do apóstolo. O arrependimento referido pelo apóstolo é o mesmo arrependimento das obras mortas no versículo 1. O significado disso é que após alguém ter crido em Deus e ter sido batizado, depois de ter entendido o julgamento vindouro e a verdade da ressurreição, e ter-se arrependido das obras mortas, não pode arrepender-se novamente de algo de que já se arrependeu. Desde que tenha sido batizado, não pode batizar-se novamente. Uma vez que tenha crido no ensino do juízo, não pode tentar crer novamente. Uma vez que tenha crido no ensino da ressurreição, ele não pode tentar crer novamente. A palavra arrependimento aqui inclui todos os seis itens mencionados acima. O apóstolo não repetiu as palavras “renovar outra vez” tantas vezes como eu fiz: renovar outra vez o arrependimento de obras mortas, renovar outra vez a fé para com Deus, e renovar outra vez as outras coisas. Ele precisou usar apenas uma vez as palavras renovar outra vez . Se, contudo, não houvesse nada, usaríamos as palavras para começar. Mas se já houvesse algo, usaríamos as palavras para renovar outra vez . O apóstolo temia que não entendêssemos o significado de renovar, anakainizo. Portanto, ele acrescentou uma palavra mais: outra vez, palin. Portanto, o arrependimento a que se refere o versículo 6 deve ser o arrependimento do versículo 1. Se o arrependimento no versículo 1 fosse mencionado como o segundo item, poderíamos não ter muita clareza. Mas, graças ao Senhor, ele é colocado como o primeiro item. Uma vez que é o primeiro item, sabemos que todos os outros itens são como esse.
O apóstolo estava dizendo que os princípios elementares da doutrina de Cristo podem ser comparados à base. Para alguém ser cristão, primeiro há a necessidade do arrependimento das obras mortas, a fim de julgar seus pecados. A seguir, ele deve ter fé em Deus, ser batizado, ter a imposição das mãos, e crer na ressurreição dos mortos e no juízo eterno. Todas essas são questões fundamentais. Uma vez que a base tenha sido lançada, não há necessidade de fazê-lo outra vez. Enquanto alguém está edificando sobre essa base, mesmo que seu pé escorregue, não é preciso lançar novamente a base. Mesmo que alguém queira lançar outra vez uma base, é impossível. Por exemplo, o irmão Wu acaba de entrar no salão de reuniões pela entrada principal da travessa Wen-teh. Depois que entrou pela travessa, e no momento que estava virando a esquina para entrar no salão, ele escorregou. Que deve fazer, então? Seu objetivo é vir à reunião. Porém ele escorregou. Ele não precisa recomeçar todo o caminho a partir da travessa Wen-teh. Ele pode levantar-se de onde escorregou. O apóstolo estava dizendo que uma vez que uma pessoa tenha sido iluminada e tenha provado do dom celestial, se escorregar, ela não pode arrepender-se das obras mortas novamente, crer em Deus novamente, ser batizado novamente, ter a imposição de mãos novamente, e crer na ressurreição e no juízo eterno novamente. Em outras palavras, o apóstolo não teve a intenção de dizer que um homem pode perecer outra vez. O que ele quis dizer é que após um cristão ser regenerado, ele não pode ser regenerado novamente. Podemos ser regenerados no máximo uma vez. O apóstolo não estava dizendo que não é permitido alguém se arrepender novamente. Ele estava dizendo que é impossível arrepender-se começando tudo novamente.
A parte seguinte do versículo 6 diz: “Visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus, e expondo-o à ignomínia”. Alguns dizem que cair é crucificar o Filho de Deus outra vez. Quem pode crucificar o Senhor outra vez? A obra do Senhor Jesus foi completada uma vez por todas. Ele não era como o touro e o bode, que devem ser imolados quando necessário. Da sua parte, você não pode renovar seu arrependimento. Da parte do Senhor, Ele não pode renovar a crucificação. Se você tiver de renovar seu arrependimento, isso significa que o Senhor Jesus terá de renovar Sua crucificação. Se esse fosse o caso, então você estaria expondo o Senhor à vergonha. Estaria dizendo que a crucificação única do Senhor Jesus não foi suficiente, que deveria haver mais crucificações. Portanto, aqui não é uma questão de salvação e perdição.
Nos capítulos anteriores, vimos que a salvação eterna é um fato que não pode ser contestado. Se entre nós houver um cristão caído e desviado, que uma vez foi realmente salvo e teve clareza acerca da salvação de Deus, para que ele novamente se levante não é necessário um novo início. Desde que ele se levante hoje, isso é suficiente. Não existe a possibilidade de crucificar o Senhor Jesus novamente e expô-Lo à ignomínia.
Na última seção, nos versículos 7 e 8, o apóstolo não apenas estava dizendo que não há necessidade nem possibilidade, mas ele prosseguiu dizendo, de uma maneira mais séria, que não há o direito. Por que não temos o direito? Porque lançando novamente a base crucificaríamos o Senhor Jesus outra vez. Se alguém fizesse isso, haveria um sério risco para ele; ele sofreria grave punição. “Porque a terra que absorve a chuva que freqüentemente cai sobre ela, e produz erva útil para aqueles por quem é também cultivada, recebe bênção da parte de Deus; mas, se produz espinhos e abrolhos, é rejeitada, e perto está da maldição; e o seu fim é ser queimada”. Deixaremos a discussão mais minuciosa dessa passagem para mais tarde. Após ler Hebreus 6, pode-se ver que esse capítulo fala sobre a questão do progresso, não sobre a salvação ou perdição. Hebreus 6 nunca nos diz que uma pessoa salva pode perecer.
Quatro Coisas a Ser Diferenciadas
Aqui temos de considerar novamente quatro coisas mencionadas na Bíblia. São quatro coisas que mencionamos anteriormente e que devem ser distinguidas umas das outras. Se alguém quer entender a salvação, primeiro, ele tem de fazer distinção entre o cristão genuíno e o falso cristão. Segundo, ele deve distinguir entre a disciplina dos cristãos e a salvação eterna. Salvação eterna é uma coisa e a disciplina de Deus sobre Seus filhos é outra. Uma coisa é um cristão ser castigado nesta era; outra coisa é um incrédulo perecer na eternidade. Um cristão não perecerá eternamente, porém ele pode ser punido. Há muitos versículos que falam da punição de um cristão. Não se pode aplicar esses versículos à salvação.
Terceiro, há uma grande diferença entre o reino e a vida eterna. Em outras palavras, há uma grande diferença entre recompensa e dom. Uma coisa é você ser salvo; outra é você reinar, governar e compartilhar da glória com o Senhor Jesus no milênio. Há muitos trechos na Bíblia que falam sobre uma pessoa ser removida do reino. Por não estarem esclarecidos acerca da diferença entre o reino e a vida eterna, entre o galardão e a salvação, muitos aplicam os versículos sobre o reino à salvação. Muitos acham que ser removido do reino significa perecer. Essas coisas, entretanto, são totalmente diferentes. Um cristão pode perder sua posição no reino, porém não pode perder sua posição na salvação. Apesar de um cristão poder perder sua posição de reinar com Cristo, ele não pode perder sua posição de filho de Deus.
Quarto, a Bíblia não somente diz que um cristão sofrerá disciplina hoje, e não somente diz que alguns cristãos podem perder o reino, mas também diz que no reino há punições definidas para um cristão. A Bíblia diz que muitos cristãos sofrerão disciplina nesta era. Eles perderão a recompensa na era vindoura e também sofrerão punição. Um cristão pode perder sua recompensa no futuro. Ele também pode ser punido com punições definidas, positivas. Contudo, não se pode misturar a punição no milênio com a perdição eterna. Perdição eterna é uma coisa, punição no reino é outra. Quando um cristão é punido, isso não significa que ele perecerá eternamente. A salvação é eterna. Punição é apenas uma disciplina em família. Se alguns filhos não podem ser bem disciplinados nesta era, eles o serão na era vindoura. Portanto, há quatro coisas aqui que precisam ser distinguidas umas das outras. As quatro coisas: os falsos cristãos, a punição nesta era, a perda do reino e a punição no milênio são diferentes da vida eterna e da morte eterna.
Consideremos agora o primeiro grupo: os falsos cristãos. Em 2 Pedro 2:1 diz-se: “Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição”. Alguns perguntariam se este versículo indica que um cristão pode perecer. Os que são citados aqui são os que foram comprados pelo Senhor. Alguns dirão que esse versículo obviamente diz que um cristão pode perecer, porque diz aqui que eles seguiram as heresias e negaram o Soberano Senhor que os resgatou, e seu fim é a repentina destruição.
Mas, por favor, lembrem-se de algumas coisas. Aqui menciona o Soberano Senhor que os resgatou. A palavra resgatou é usada de maneira específica. Acaso essa palavra transmite o sentido de que os que foram resgatados são os salvos? Se esses que foram resgatados são os salvos, então temos de admitir que uma pessoa salva pode perecer. Se, no entanto, essa palavra tiver um significado diferente, então ninguém mais poderá dizer isso. É verdade que a Bíblia nos diz que fomos resgatados pelo Senhor por preço. Mas devemos ver a extensão do que o Senhor Jesus resgatou na cruz. Ele resgatou somente os que crêem ou resgatou todo o mundo? Pela Bíblia podemos ver que o Senhor não resgatou apenas os cristãos, mas resgatou também todo o mundo. Mateus 13:44 diz: “O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, que um homem, achou e escondeu. E, na sua alegria, vai, vende tudo o que tem, e compra aquele campo”. Isso nos mostra que o Senhor Jesus vendeu tudo o que tinha para comprar o tesouro. Mas Ele não comprou somente o tesouro, Ele comprou o campo também. O tesouro é uma pequena parte, no entanto, o campo é a grande parte. O tesouro está no campo. Para obter o tesouro, o Senhor comprou todo o campo. O propósito de comprar o campo não foi pelo campo, mas pelo tesouro. Por favor, lembrem-se de que o objetivo da compra do Senhor era a pequena parte, mas Ele comprou a grande parte. Seu propósito é obter o tesouro, mas a extensão da sua compra foi o campo. Os do reino dos céus são o tesouro, mas o que o Senhor resgatou foi o campo.
Portanto, não podemos dizer que todo o que foi resgatado pelo Senhor é salvo. A extensão do resgate é maior que a da salvação. A obra de resgate e redenção na Sua cruz é diferente da Sua obra de substituição. A substituição do Senhor é apenas para todos os que crêem, entretanto Ele morreu por todo o mundo. Ele definiu uma esfera suficientemente ampla. Isso, no entanto, não significa que todo o mundo seja salvo. Se Pedro mudasse uma palavra aqui, se ele dissesse: “Até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os salvou”, então isso seria muito sério. Mas Pedro usou uma palavra bastante extensa. Ele disse: “Até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou”. Portanto, podemos ver que esse grupo de pessoas não foi salvo. Esta palavra resgatar é muito ampla. Por essa palavra sozinha, não se pode dizer que eles são salvos.
Segundo, a palavra Soberano Senhor, despotes (gr.), tampouco é uma palavra comum. Ela não deveria ser traduzida para senhor, mas para mestre. Não é o Senhor, como em Senhor Jesus, mas o Mestre, como alguém que tem o controle temporário de uma pessoa. Refere-se a um mestre terreno. Não há relação de vida aqui. De acordo com uma interpretação precisa da Bíblia, isso não é uma relação entre eles e o Senhor, mas uma relação entre eles e seu mestre. Portanto, esse grupo de pessoas de nenhum modo foi salvo. Ninguém pode dizer: Senhor Jesus, senão no Espírito Santo, pois todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Esses são como Judas, eles nunca confessaram Jesus como Senhor.
Terceiro, Pedro nos diz que esse grupo de pessoas são os falsos mestres e falsos cristãos. Pedro também nos disse que havia falsos profetas no meio do povo. Ele também disse que haverá falsos mestres. Esses falsos profetas referem-se aos falsos profetas no Antigo Testamento. Todos os leitores da Bíblia sabem que nenhum falso profeta no Antigo Testamento era salvo. Podemos dizer ousadamente que esse grupo de pessoas de nenhum modo era salvo. Eles seguiram suas habilidades e idéias, secretamente introduzindo heresias destruidoras, e até negando o Mestre que os comprara, trazendo sobre si mesmos repentina destruição. Portanto, 2 Pedro 2 não se refere à perdição dos que são salvos.
Existem mais palavras na Bíblia semelhantes a essas. Todas elas se referem a cristãos nominais. Não se referem à perdição dos salvos. Alguns argumentaram acerca das poucas palavras no final do segundo capítulo. O versículo 20 diz: “Portanto, se, depois de terem escapado das contaminações do mundo mediante o conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, se deixam enredar de novo e são vencidos, tornou-se o seu último estado pior que o primeiro” O versículo 22 diz: “Com eles aconteceu o que diz certo adágio verdadeiro: O cão voltou ao seu próprio vômito; e: A porca lavada voltou a revolver-se no lamaçal”. Baseados nas palavras do versículo 20, alguns pensam que esses se referem a salvos, pois diz claramente que eles escaparam das contaminações do mundo mediante o conhecimento do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo; certamente esses tais foram salvos.
Mas por favor, note que Pedro foi muito cuidadoso na maneira de falar. O versículo 20 diz que eles têm o conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, e que eles escaparam das contaminações do mundo. Porém, o versículo 22 nos diz quem essas pessoas realmente são. Se existisse somente o versículo 20, poderíamos pensar que eram salvos. Mas se lermos o versículo 22 saberemos quem eles são. “Com eles aconteceu o que diz certo adágio verdadeiro: O cão voltou ao seu próprio vômito; e: a porca lavada voltou a revolver-se no lamaçal”. Embora eles tenham escapado das contaminações do mundo, e exteriormente tenham o conhecimento do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, eles foram mais tarde enredados novamente, e seu último estado tornou-se pior. Essas pessoas são simplesmente cães e porcas.
O Senhor nunca disse que Ele dá a vida eterna aos cães. Tampouco Ele disse que os cães jamais perecerão. O Senhor disse que Ele dá a vida eterna às ovelhas. Ele nunca mistura as ovelhas com os cães. Ele não pode dizer que dá vida eterna às porcas e aos cães, tampouco pode dizer que as ovelhas foram enredadas pelas corrupções do mundo. Essas duas espécies de pessoas nunca podem ser colocadas juntas. Muitos dos que ouviram o evangelho diriam que Jesus é Senhor e Salvador. Eles podem rapidamente falar-lhe acerca de doutrinas relativas ao Senhor. Exteriormente não têm nenhuma corrupção. Contudo, eles jamais foram regenerados. Nunca receberam o Senhor e nunca experimentaram o Senhor vivendo neles; eles apenas confessam o Senhor temporariamente. Eles removeram um pouco da corrupção exterior, mas quando os sentimentos mudam, eles retornam aos seus velhos caminhos. O último estado desse tipo de pessoas é pior que o primeiro. Eles não são de modo algum ovelhas. Eles são os cães e as porcas. Por serem cães, eles voltam ao próprio vômito, por serem porcas, revolvem-se na lama após terem sido limpos exteriormente. Isso não significa que os cristãos não pecarão, e não significa que não tocarão na lama ou não se revolverão no lamaçal. Um cristão pode vir a tocar na lama, pode vir a revolver-se no lamaçal. Contudo, revolver-se no lamaçal é algo desconfortável para um cristão. Se ele se sente confortável em revolver-se nele, então deve ser uma porca. Um cristão talvez possa voltar ao seu próprio vômito também. Mas ele sentirá que é repulsivo, e sentir-se-á desconfortável se fizer isso. Essa é a diferença entre a porca, o cão e a ovelha. Deve-se identificar claramente a natureza do cão e da porca. Na Bíblia, porcas e cães referem-se a não-salvos, não se referem a salvos. Se uma pessoa é ovelha, ela jamais perecerá. http://www.estudobiblico.com.br/salvacao/capitulo7.html