"Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus" (Mateus 5:8)
Esta é outra das Bem-aventuranças que foi grosseiramente pervertida pelos inimigos do Senhor; inimigos que têm, como seus predecessores, os fariseus, posado como os campeões da verdade e vangloriado-se de uma santidade superior para que o verdadeiro povo de Deus os reconheça. Durante toda esta era cristã, houve pobres almas iludidas que reivindicaram uma purificação total do velho homem, ou que têm insistido que Deus os renovou tão completamente que a natureza carnal foi erradicada, e por consequência eles não só não cometem mais pecados, como não têm desejos ou pensamentos pecaminosos. Mas Deus nos diz: "Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós" (I João 1: 8). É claro que tais pessoas apelam para as Escrituras em apoio a sua vã ilusão, aplicando a experiência de versos que descrevem os benefícios legais da Expiação. "... o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado" não significa que nossos corações foram lavados das impurezas corruptoras do mal, mas que o sacrifício de Cristo é eficaz para apagar judicialmente os pecados. "... as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo" (2 Coríntios 5:17) não se refere ao nosso estado neste mundo, mas a posição do cristão diante de Deus.
Que a pureza de coração não significa impecabilidade de vida está claro do registro inspirado da história de todos os santos de Deus. Noé se embebedou; Abraão se equivocou; Moisés desobedeceu a Deus, Jó amaldiçoou o dia de seu nascimento; Elias fugiu de terror de Jezabel; Pedro negou a Cristo. Sim, talvez alguém irá exclamar: mas todos esses foram antes do cristianismo ser estabelecido. Verdade, mas também tem sido a mesma situação desde então. Para onde devemos ir para encontrar um cristão de realizações superiores aos do apóstolo Paulo? E qual foi sua experiência? Leia Romanos 7 e veja. Quando ele queria fazer o bem, o mal estava presente com ele (v. 21); havia uma lei em seus membros guerreando contra a lei de sua mente, e o trazia cativo à lei do pecado (v. 23). Ele, com a mente, servia a lei de Deus, no entanto, com a carne servia a lei do pecado (v. 25). Ah, leitor cristão, a verdade é que uma das evidências mais conclusivas de que possuímos um coração puro é a descoberta e a consciência da impureza do velho coração habitando lado a lado com o novo. Mas vamos chegar mais perto de nosso texto.
"Bem-aventurados os limpos de coração". Na busca de uma interpretação de qualquer parte deste sermão do monte a primeira coisa a ter em mente é que aqueles a quem o Senhor falava haviam sido criados no judaísmo. Como disse alguém que foi profundamente ensinado pelo Espírito: "Não posso deixar de pensar que o nosso Senhor, ao utilizar os termos diante de nós, tinha uma tácita referência para esse caráter de santidade externa ou pureza que pertencia ao povo judeu, e esse privilégio das relações com Deus que estava ligado com esse caráter. Eles eram um povo separado das nações poluídas com a idolatria; separados como povo santo para Jeová; e, como um povo santo, eles foram autorizados a aproximar-se de seu Deus, o único e verdadeiro Deus, nas ordenanças de Sua adoração".
Na posse desse caráter, e no gozo deste privilégio, o povo judeu se envaideceu. "Um elevado caráter, no entanto, e um alto privilégio, pertenciam àqueles que deveriam ser os súditos do reino do Messias. Eles não só deveriam ser externamente santos, mas,"puros de coração"; eles deveriam "ver Deus", ser introduzidos na mais íntima relação com Ele. Assim visto, como uma descrição do caráter espiritual e privilégios dos súditos do Messias, em contraste com o caráter externo e privilégios do povo judeu, a passagem diante de nós está cheia da mais importante e interessante verdade " (Dr. John Brown).
"Bem-aventurados os limpos de coração". As opiniões se dividem quanto a saber se estas palavras de Cristo devem ser entendidas literal ou figurativamente; se a referência a ser o novo coração recebido na regeneração, ou à transformação moral do caráter que resulta de uma obra da graça divina sendo forjado na alma. Provavelmente ambos os aspectos da verdade são combinados aqui. Em vista do último lugar que esta bem aventurança ocupa na série, parece que a pureza do coração sobre a qual nosso Salvador pronunciou a Sua bênção, é essa limpeza interna, que acompanha e segue o novo nascimento. No entanto, na medida em que não existe pureza no coração do homem natural, o que aqui é afirmado por Cristo deve ser rastreado até a própria regeneração. O salmista disse: "Eis que amas a verdade no íntimo, e no oculto me fazes conhecer a sabedoria" (Salmos 51:6). Quão longe isto vai adentro da renovação e reforma externa que compreende uma parte tão grande dos esforços que agora estão sendo colocados diante da cristandade!
Muito do que vemos ao nosso redor é uma religião "das mãos" – em busca de salvação pelas obras – ou uma religião "da cabeça", que repousa satisfeita em um credo ortodoxo. Mas Deus olha para o coração – uma expressão que parece incluir a compreensão, o afeto e a vontade. É porque Deus olha para o interior que Ele dá um "coração novo" (Ez 36:26) para seu próprio povo, e "bem-aventurados" na verdade são aqueles que têm recebido tal, pois é um "coração limpo". Como sugerido acima, acreditamos que esta sexta bem-aventurança contempla tanto o coração do novo recebido na regeneração e transformação de caráter que segue a obra da graça de Deus na alma.
Primeiro, há uma "lavagem da regeneração" (Tito 3:5), pelo qual entendemos ser uma limpeza dos afetos, que são agora colocados sobre coisas do alto, em vez de nas coisas da terra; que é paralela com "purificando os seus corações pela fé" (Atos 15:9). Acompanhando isto vai a purificação da consciência – "tendo os corações purificados da má consciência" (Hb 10:22), que se refere à remoção do ônus da consciência da culpa, a compreensão interior que sendo justificados pela fé, "temos paz com Deus". Mas a pureza de coração elogiada aqui por Cristo vai mais longe do que isso. O que é pureza? É ser livre das contaminações, ter toda a afeição para a divindade, sinceridade e autenticidade. Como uma qualidade do caráter cristão, poderíamos defini-la como a simplicidade divina. É o oposto de sutileza e duplicidade. O genuíno cristianismo deixa de lado não apenas a malícia, mas a falsidade e a hipocrisia. Não basta ser puro em palavras e em conduta exterior; pureza dos desejos, motivações, intenções, é o que deve, sendo o principal, caracterizar o filho de Deus. Aqui, então, é o mais importante teste para cada cristão professo a aplicar a si mesmo: Estão as minhas afeições colocadas sobre as coisas do alto? São os meus motivos puros? Por que eu estou reunido com o povo do Senhor? Para ser visto pelos homens, ou para me encontrar com o Senhor e desfrutar da doce comunhão com Ele?
"Porque eles verão a Deus". Mais uma vez gostaria de salientar como é que as promessas associadas a essas bem-aventuranças têm tanto um cumprimento presente quanto um futuro. Os puros de coração possuem discernimento espiritual e com os olhos de seu entendimento conseguem uma visão clara do caráter divino e percebem a excelência de seus atributos. Quando os olhos são bons todo o corpo está cheio de luz. Na verdade, pela fé que purifica o coração, eles "veem a Deus"; pois o que é essa verdade, senão uma manifestação da glória de Deus na face de Jesus Cristo – uma ilustre exibição da radiância combinada da santidade e da benignidade divinas! E ele não só obtém uma visão clara e satisfatória do caráter divino, mas ele aprecia a íntima e prazerosa comunhão com Deus. Ele é levado para muito perto de Deus; a mente de Deus torna-se a sua mente; a vontade de Deus torna-se sua vontade; e sua comunhão é de fato com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo. "... os limpos de coração" "verão a Deus", desta forma, mesmo no mundo presente; e no estado futuro, seu conhecimento de Deus se tornará muito mais extenso e sua comunhão com Ele muito mais íntima; pois embora, quando comparado com os privilégios de uma dispensação anterior, mesmo agora "com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor", ainda, em referência aos privilégios de uma alta dispensação, ainda vemos "através de um espelho escuro" – "porque, em parte, conhecemos" – entendemos em parte, apreciamos em parte. Mas "quando vier o que é perfeito" "o que o é em parte será aniquilado". Então veremos face a face e conheceremos como nós somos conhecidos (I Cor 13:9-12.); ou para usar as palavras do salmista, "contemplarei a tua face na justiça; eu me satisfarei da tua semelhança quando acordar" (Sl 17:15). Então, e não até aquele tempo, o pleno significado dessas palavras será entendido: os "limpos de coração verão a Deus" (Dr. John Brown).
Fonte: Comfort for Christians de A.W. Pink (leia aqui a biografia do autor)