Cons. Elder Pereira |
quarta-feira, 16 de julho de 2014
A
Bíblia não é, como muitos pensam, um livro só, constando na realidade
de numerosos livros, escritos em diversas épocas por vários autores.
Já
pelo seu nome, percebe-se o que significa: os livros (de biblia, plural
de biblion, diminutivo do grego biblos, o livro) fundamentalmente, ela
se divide em: Velho Testamento ou coleção de livros escritos antes de
Jesus; e Novo Testamento, composto dos livros que apareceram com o
Cristianismo.
Os livros reconhecidos como sagrados, como inspirados diretamente por Deus, constituem o cânon do Velho e do Novo Testamento.
A
primitiva literatura do povo hebreu era composta de cânticos, a forma
pela qual esse povo, no principio nômade e pastoril, reverenciava seu
Deus e transmitia seus feitos à posteridade.
Ao
se compulsar a Bíblia, encontram-se esses cânticos esparsos em diversos
pontos do Velho Testamento: Canção de José (Gén. XLIX); Canção de
Moisés (Êxodo XV); Canção de Moisés (Deuteronômlo XXXII e XXXIII);
Canção de Débora (Juízes V); e outros (Números XXI, 14, 15, 27 a 30; 1
Samuel, II, 1 a 11; II Samuel, XXII; II Reis, 21 a 35), canções estas
anteriores às narrativas de que fazem parte.
Com
a fixação do povo hebreu na Palestina, foram se formando os livros que
deveriam compor o seu livro sagrado. Mas, devido às continuas guerras e
às muitas vicissitudes pelas quais passou o povo, os documentos
originais perderam-se ou foram destruídos para não caírem em mãos
inimigas.
Os
escribas e doutores da lei eram forçados, então, a reconstituir, de
memória ou com os escritos fragmentários, os primitivos livros.
O
cativeiro da Babilônia, em 586 a.C., foi de enorme significação, porque
dividiu o povo hebreu, destroçou toda sua organização e provocou a
perda de todos os manuscritos sagrados até então existentes.
Coube
a Estiras, no ano 458 a.C., reconstituí-los. Não está bem esclarecido
se ele achou cópias escondidas ou se foi o próprio autor de todos os
livros, inclusive o Pentateuco ou Torá, que muitos atribuem a Moisés.
Com
efeito, segundo um manuscrito apócrifo considerado não canônico ou não
fidedigno encontrado no ano 96 d.C. e denominado Livro VI de Esdras
(Cap. XIV 37 48), tendo sido os documentos primitivos destruídos pelo
fogo, Esdras os recompôs por inspiração divina. Ditou, então, em 40
dias, a 5 escribas, 94 livros, dos quais 24 constituíam o antigo cânon
dos hebreus e os restantes 70, tidos depois como apócrifos, continham
ensinamentos esotéricos.
Conforme
se vê, a literatura religiosa hebraica consolidou-se ou reafirmou-se
depois do cativeiro da Babilônia, o que é confirmado pela presença, até
no Pentateuco, de trechos que reproduzem mitos caldeus.
Assim,
os fragmentos do sacerdote babilônico Berósio (III a.C.) e milhares de
documentos cuneiformes relatam que os homens foram criados da argila,
mas que, por sua impiedade, foram afogados por um dilúvio do qual só
escapou Utnapixtim, o Noé babilônico, que construiu uma arca e nela se
encerrou com os seus. Após 7 dias, a arca parou numa montanha e
Utnapixtim solta uma pomba e depois uma andorinha, que voltam, por não
encontrarem onde pousar. Depois solta um corvo, que não volta.
Utnapixtim sai, então, da arca e oferece um sacrifício aos deuses.
Sargão,
filho de pai desconhecido, é abandonado em um cesto de caniço no
Eufrates, por sua mãe, e depois encontrado por um camponês. Mais tarde
torna se o senhor do país.
Os
exagetas discutem sobre o verdadeiro autor ou autores dos livros do
Velho Testamento. Com efeito, encontram se em muitos livros sinais
evidentes de que foram escritos por mais de um autor, não só pela
coexistência de relatos diferentes, como também de estilos
dessemelhantes.
Assim, por exemplo, no Gênesis conta-se a criação de Adão e Eva de duas maneiras (versão jeovista e versão eloísta).
Assinalam-se,
mesmo, quatro autores no Gênesis. O autor “J”, assim chamado porque
empregava a denominação Jeová para Deus, era do sul da Palestina e seus
escritos parecem remontar a 1000 ou 900 anos a.C. Já o autor “E”, que
atribuía a Deus o nome Elohim, era do norte e deve ter escrito mais ou
menos pela mesma época. O terceiro autor parece ter sido um profeta de
Judá, que viveu em aproximadamente 722 a.C., chamado de “JE” porque
juntou trechos de “J” e de “E” e adicionou outras narrativas. E,
finalmente, há trechos mais recentes que constituem a versão “P”, que
devem ter sido obra de um corpo sacerdotal, após a destruição do templo.
Como
se verifica, a controvérsia é grande. Uns atribuem o Pentateuco (os
cinco primeiros livros da Bíblia) a Moisés, outros, a Esdras e outros, a
diversos autores.
A
análise dos manuscritos é delicada, porque muitos são frequentemente
discordantes, não havendo nenhum manuscrito original, pois todos se
perderam, bem como as cópias de cópias mais antigas.
Assim,
o Deuteronômio (o livro 5 do Pentateuco) foi encontrado somente no ano
622 a.C., no reinado de Josias ou de Manassés. Mesmo que tivesse sido
atribuído a Moisés, é estranho que o capítulo XXXIV relate sua morte e
seu enterramento.
Deuteronômio
significa recapitulação da lei, ou a lei 2, fazendo ver que é uma
reprodução ou atualização da antiga ou primitiva lei mosaica.
O Levítico (3° livro do Pentateuco) parece ter sido posterior ao exílio e a Ezequiel, depois do ano 358 a.C.
Os outros livros do Velho Testamento (Provérbios, Cânticos, Salmos) estavam completos pelo 4° ou 3° século a.C.
Os livros de Esdras e de Neemias foram obra de um só compilador e apareceram pelo ano 300 a.C.
Os
livros dos Profetas (completos entre 250 e 200 a.C.) e os Hagiógrafa
(completo entre 150 e 140 a.C.) parecem não ter sido feitos por Esdras.
Todos
esses livros foram escritos originalmente em hebraico , com alguns
trechos em aramaico (Daniel II, 4 a VII, 28; Esdras IV, 8 a VI, 18 e
VII, 12 26; Jeremias X,11).
No
Velho Testamento existem outros livros, muito mais recentes, escritos
originalmente em grego e não em hebraico. Não foram, por isto,
reconhecidos pelos hebreus ortodoxos como canônicos (sagrados,
inspirados por Deus).
Os
católicos incluem-nos em sua Bíblia, mas os protestantes repelem-nos.
São os chamados deuterocanonicos, em número de 7: Tobias, Judite,
Sabedoria, Eclesiástico (não confundir com o Eclesiastes), Baruc com a
Epístola de Jeremias, os dois livros dos Macabeus. Há também trechos
deuterocanônicos no livro de Ester (X, 4 até XVI, 24, inclusive) e no
Daniel (111, 2490; XIII, XIV).
Os livros canônicos dos hebreus ortodoxos eram em número de 24, assim divididos:
I
Torá, a Lei (O Pentateuco, dos gregos). São os cinco primeiros livros
da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.
2
Nebhiím, os Profetas. Em número de 8, cujos primeiros: Josué, Juizes,
Samuel, Reis (4 livros) e últimos: a) Maiores Isaias, Jeremias,
Ezequiel (3 livros); b) Menores: os 12 profetas menores, enfeixados em
um único livro.
3
Kêthubim, ou Hagiógrafa. Escritos sagrados em número de 8, sendo:
Poéticos: Salmos, Provérbios, Jó (em número de 3); Megilloths ou rolos:
Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester (em número
de 5).
4 Restantes, em número de 3: Daniel, Esdras com Neemias, Crônicas.
O
Canon hebraico era contado ora com 24, ora com 22 livros (por causa
das letras do alfabeto). Orígenes e São Jerônimo procuraram subdividir
os livros de forma a darem um total de 27, para coincidir o número com
mais cinco letras finais do alfabeto hebraico. Modernamente conhecemos
esses livros divididos em 39, pela distribuição do livro dos 12 profetas
menores em 12 livros, pela separação do livro de Neemias, do de Esdras e
pela subdivisão dos livros de Samuel, Reis e Crônicas, cada um em dois
livros.
Toda a dificuldade na exegese bíblica está em que os manuscritos originais, inclusive os de Esdras, perderam-se.
Não
existe nenhum manuscrito bíblico anterior ao século IV d.C. Convém ter
em mente que, antes da invenção da imprensa, em fins do século XV, a
Bíblia só existia sob forma de manuscrito. Ora, as cópias e cópias de
cópias tiveram que passar pela compilação e pela reconstituição dos
copistas.
Além
de se tratar de manuscritos, sujeitos a desgaste, de leitura e
reprodução difíceis, expostos a omissões, alterações, interpolações e
até a falsificações, havia a extrema dificuldade de interpretação e
tradução do hebraico .
Com
efeito, os manuscritos hebraicos formavam um todo contínuo, sem
capítulos e sem versículos. Somente no ano 1228, o cardeal Langton teve a
idéia de subdividir a Bíblia (ainda manuscrita) em capítulos. E foi o
editor Robert Stephen quem estabeleceu a divisão em versículos, no ano
1555.
Outra
dificuldade enorme e insuperável naquele tempo é que a língua hebraica
era composta apenas de consoantes e não havia pontuação. Além disto, não
havia dicionário ou gramática, enfim, nada que orientasse a
interpretação ou a significação de palavras ou frases. Em suma, o
manuscrito hebraico era uma sucessão interminável de consoantes, sem
pontuação, sem parágrafos, sem versículos, etc.
Assim,
Yhvhthstsrcdmndknntm significa “Yaveh, tu procuraste-me e
conheceste=me”. Imagine-se o que não seria o trabalho de cópia e
interpretação de um livro assim constituído!
A
transmissão da versão tradicional se fazia à custa da memória
extraordinariamente cultivada e desenvolvida dos doutores da lei, mesmo
assim, exposta a interpretações ou intromissões indevidas no texto
exato.
O
cânon hebraico , tal como o conhecemos hoje, já existia no século II
a.C. Por esta época, os hebreus, embora concentrados na Palestina,
estavam espalhados pelo resto do mundo. Muitos, fugindo à rígida
tradição ortodoxa, foram admitindo alguns preceitos dos gentios e
mostravam-se muito liberais em matéria de religião. Eram os chamados
hebreus helenizantes.
Por
isto mesmo e pelo fato de a língua grega ser a língua internacional no
século II a.C., Ptolomeu Filadelfo pediu aos hebreus de Alexandria que
lhe fizessem a tradução grega dos livros religiosos hebraicos.
O
sumo sacerdote Eleazar forneceu os documentos hebraicos e, segundo uma
tradição meio histórica e meio lendária, reuniram-se 72 eruditos, seis
de cada tribo de Israel, para fazerem aquele trabalho. Entre outras
lendas, conta-se que terminaram todos a sua tarefa no mesmo momento, com
um altissonante Amém e que foram tiradas 70 cópias da tradução.
Esta,
à qual os hebreus helenizantes de Alexandria acrescentaram os
deuterocanônicos, escritos em grego, é a famosa Septuaginta, ou Versão
dos 70. Esta obra foi de grande significação, pois até essa época a
leitura dos livros religiosos hebraicos estava reservada ao templo e às
sinagogas. A partir daí, difundiu-se o conhecimento da Bíblia entre os
não hebreus e mesmo entre os descendentes de Israel que, longe de sua
pátria, estavam mais familiarizados com o grego do que com o hebraico .
Entretanto, os hebreus ortodoxos repeliram-na, tanto mais que
encontraram infidelidades na dificílima tradução.
Assim,
diz Salomon Reinach que os 70 traduziram, em Isaías VII, 14, o hebraico
“almah”, por “virgem”, quando a tradução exata seria”moça” (“pois por
isso mesmo o Senhor vos dará este sinal: uma virgem conceberá e dará a
luz a um filho e seu nome será Emanuel”). Pode-se avaliar a importância
de tal mudança de tradução dessa frase profética, de profunda
significação para o futuro cristianismo.
Aliás,
erros desta natureza poderiam-se dar com relativa frequência e
facilidade. Assim, por exemplo, a simples transposição de um sinal podia
modificar todo o sentido de uma frase. Em Gênesis XLIX, 21, conforme a
pontuação, pode se ler: “Neftali é um veado solto, que pronuncia
formosas palavras”, ou: “Neftali é uma árvore frondosa da qual brotam
formosos ramos”. Na tradução dos 70, foi a primeira frase a que
prevaleceu.
Os
originais e cópias da Septuaginta perderam-se. Hoje, conhecem-se perto
de 4 mil manuscritos, dos quais os mais antigos remontam ao século IV
d.C.
Os
mais importantes e antigos são os conhecidos pelos nomes de: Manuscrito
do Vaticano (Século IV d.C.); Manuscrito Sinaitico, de Tischendorf
(Século IV d.C.); Manuscrito Alexandrino (Século V d.C.).
Os
hebreus, não conformes com a tradução grega da Septuaginta, continuaram
a transmitir os manuscritos do Templo. Mas os exegetas ortodoxos
reconheciam, pelas dificuldades já expostas de tradução e de
interpretação do texto hebraico, que era necessário compor um sistema de
sinais que fizessem o papel das vogais e da acentuação e assim
permitissem maior fidelidade ao verdadeiro texto.
No
tempo de Jesus havia dois textos: o texto grego da Septuaginta e o
texto hebraico ortodoxo, proveniente do texto primitivo de Esdras,
certamente corrompido por omissões, interpolações, descuidos, erros de
cópia, ele.
Parece
que o texto hebraico era seguido por Jesus e seus apóstolos, enquanto
São Paulo e os gentios conversos, que logo se tornaram dominantes,
adotavam o texto da Septuaginta pelo fato de a língua grega ser mais
difundida e acessível.
Os
hebreus ortodoxos empreenderam o trabalho de sinalização dos
manuscritos, que passaram a ser chamados textos ou manuscritos
massoréticos, do nome massora (tradição).
Apesar
de tantas precauções, afirmam os exegetas que, até o século II d. C.,
esses manuscritos sofreram, fora de qualquer dúvida, numerosas
corrupções, o que se inferiu pela comparação com outros documentos
antigos.
Somente pelo século IV é que se fixou a versão massorética, conhecida
presentemente.
Como os demais documentos, o texto hebraico massorético e suas cópias
mais antigas perderam-se. O manuscrito massorético mais antigo hoje
existente é o denominado Codex Babylonicus Petropolitantis, que data do
ano 910.
Além
da versão dos 70, há outras traduções gregas do texto hebraico:
traduções de Áquila, de Teodósio e de Simaco, que datam do século II
d.C. Embora não tivessem atingido à preeminência daquela, servem para
estudo comparativo.
Na
versão da Septuaginta existiam alguns livros que não foram reconhecidos
canônicos: os livros III e IV dos macabeus, o Salmo CLI.
Circulavam
também, nos primeiros tempos do Cristianismo, manuscritos religiosos
que não foram incluídos na lista dos documentos canônicos: os livros III
e IV de Esdras, o livro dos Jubileus, os Paralipômenos de Jeremias, o
livro do martírio de Isaías, o livro de Enoc, etc. Em resumo, o Velho
Testamento é conhecido através de cópias, cujas mais antigas datam de
muitos anos depois de Cristo, sendo umas gregas (provindas dos textos de
Septuaginta) e outras hebraicas (provindas dos textos massoréticos).
Não se conhecem cópias sem sinalização, derivadas do texto hebráico de
Esdras.
Posteriormente, apareceram os textos latinos e outros que veremos adiante.
No texto grego da Septuaginta, o Cânon do Velho Testamento é dividido em 4 seções:
I
A Tora, a lei, ou seja, o Pentateuco, com os 5 primeiros livros.
Modernamente, tende se a acrescentar a estes, o livro de Josué e a
denominar o conjunto de Hexateuco.
2 Os livros históricos, de Josué até Crônicas, e mais outros, como Esdras, Neemias, Ester.
3 Os livros poéticos: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos cânticos,
4 Os livros Proféticos dos 4 Maiores: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel e os dos 12 Menores.
O
nome Velho Testamento vem do grego Palaiediatheké (palaie: velho,
diatheké: pacto, aliança). Essa a denominação grega pela qual era mais
conhecida em Alexandria, a Versão dos Setenta.
Mas
diatheké também significa testamento e foi o nome preferentemente
adotado por São Jerônimo, na versão da Vulgata, e o que prevaleceu até
hoje.
Neste
capítulo referimo-nos à antiguidade dos documentos bíblicos comumente
conhecidos. Em 1947 foram descobertos às margens do Mar Morto rolos
bíblicos que datam de antes de Cristo. Estes manuscritos bíblicos, em
hebraico, grego, árabe e aramaico, são todos do Velho Testamento e ainda
estão sendo objeto de estudos.
Há
um palimpsesto em papiro, com uma lista de nomes e números em hebraico
arcaico, chamado fenício, que data de cerca de 500 a 600 a.C. e é,
provavelmente, o documento mais antigo do mundo.
Muitos manuscritos estão sendo decifrados por meio da fotografia pela luz infravermelha.
Não
há dúvidas sobre a autenticidade e antiguidade desses documentos, cujo
estudo poderá, talvez, provocar a revisão de muitos conceitos em torno
da literatura do Velho Testamento.
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