Uma empresa foi obrigada a indenizar ex-empregada que era obrigada a frequentar culto religioso. O entendimento levou a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul a manter sentença que condenou um empregador de Pelotas a indenizar sua ex-funcionária em R$ 5 mil.
É
certo que deve haver um consenso de que este tipo de situação criada
pelo empregador foi extremamente equivocada e absurda. Entretanto,
fazendo uma pesquisa sobre o conteúdo do artigo com alguns colegas,
descobri que a indignação não era imparcial. Houve certos comentários
até ofensivos e preconceituosos responsabilizando até os líderes da
Igreja que o empregador frequentava, deixando claro que muitos ainda
alimentam uma “religião oficial” e até uma silenciosa “perseguição”.
Quando
da realização da pesquisa sugeri que os entrevistados refletissem se
esta mesma situação ocorre também, porém de forma silenciosa e
permitida, quando nos estabelecimentos públicos ou privados ícones e
símbolos religiosos são expostos como uma imposição àqueles que divergem
de seus dogmas e doutrinas. Os olhos se esbugalharam, as veias se
dilataram nas frontes dos entrevistados, de tanta “indignação” diante,
do que disseram, ser um desrespeito meu ante a uma religião tradicional,
e que é a religião “oficial” do nosso País, etc. Os mais acirrados até
citaram as “padroeiras” do País, a importância do Vaticano, etc. E
muitos até deixaram de falar comigo.
Pois bem, o que motivou-me a escrever o presente artigo é levar-nos a uma reflexão, imparcial, sem paixões, sobre qual é o verdadeiro cenário da liberdade religiosa em nosso País, e alertar para buscar sempre a manutenção de um Estado laico.
Precisamos
nos perguntar como é exercido o direito da manifestação religiosa? E a
primeira resposta para discussão e reflexão é simples: Há empresas, até
públicas, que promovem procissões e festas em algumas datas, com o
erário público e, apesar de não demitir o empregado que não participa e
nem de fazer ameaças, como fez o empregador de Pelotas, o mesmo fica
sofrendo constrangimento, diga-se de passagem que permitido, por parte
dos colegas que pertencem àquela religião.
Acredito que todo local de acesso público deveria ser laico, tal qual nosso Estado.
Na primeira Constituição do Brasil, no artigo 5º,
constou explicitamente que “A Religião Catholica Apostolica Romana
continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão
permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso
destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo”.(grafias de acordo com a
regra gramatical de Portugal e da época).
Vemos que existia apenas uma benevolência tênue com as demais religiões, com a permissão de cultuarem, mas não de externarem (apenas
a Igreja Católica poderia construir e manter templos. Lembro que ainda
na década de 60 muitos se manifestavam indignados e claramente contra os
templos protestantes que eram erguidos), como se a
crença fosse algo externo e não restrito indivíduo, onde o Estado, ainda
que quisesse, não tem direito e nem possibilidade de interferir.
Precisamos
cultivar um estado laico de direito e de fato. Caso contrário, corremos
o risco de ver o Estado repetindo absurdos históricos de interferência
estatal na vida do povo.
O primeiro caso que dou como exemplo foi
aquele em que o imperador romano Constantino, que em 07 de março de 321
proclamou o chamado Édito de Constantino, em cujo texto líamos:
"Que todos os juízes, e todos os habitantes da Cidade, e todos os mercadores e artífices descansem no venerável dia do Sol. Não obstante, atendam os lavradores com plena liberdade ao cultivo dos campos; visto acontecer amiúde que nenhum outro dia é tão adequado á semeadura do grão ou ao plantio da vinha; daí o não se dever deixar passar o tempo favorável concedido pelo céu''.(in: Codex Justinianus, lib. 13, it. 12, par.2.)" .
O
decreto apoiou à adoração do Deus-Sol (Sol Invicto) cultuado no
Mitraísmo. Os adeptos do Mitraísmo se reuniam no domingo e os judeus,
que guardavam o sábado, estavam sendo perseguidos sistematicamente neste
momento, por causa das guerras judaico-romanas.
Outro episódio
de um Estado que interferiu na vida religiosa do povo lembramos o
ocorrido na Espanha quando cerca de 60.000 judeus, que se recusaram a se
converter ao catolicismo, tiveram que emigrar para Portugal onde
tiveram que pagar a bagatela de vinte e oito quilos de ouro para
permanecerem nas terras lusitanas. Os que não podiam pagar viram seus
bens confiscados pela coroa portuguesa, que mais tarde resolveu expulsar
a comunidade judaica de seu território. Mas, para impedir a saída de
grande contingente (e de capital) o rei de Portugal na época, D Manuel,
resolveu publicar um decreto para a conversão forçada de muçulmanos e
judeus ao catolicismo, num prazo de dez meses, com o objetivo de
"homogeneizar" a religião na península ibérica com a religião dos Reis
Católicos (os que não se convertiam tinham que sair do território e
perder seus bens), e o próximo passo do reinado de Portugal foi
patrocinar a perseguição da inquisição, quando os "recém convertidos"
que ainda praticavam suas tradições religiosas antigas sofreram perda de
bens, prisão, tortura e até morte.
Apesar de a expressão “Estado laico” não aparecer no texto constitucional, nosso Estado Brasileiro o é desde a Constituição Federal de 1891, e a CF
vigente desde 1988 levou o Estado a consolidar a sua laicidade em
vários dispositivos. Nos artigos 5º, 19 e 150 ficaram asseguradas a
liberdade de crença, o livre exercício de culto, a não ingerência do
Estado e a isenção de impostos. Estabelece a plena liberdade religiosa e
o caráter laico do Estado brasileiro, sendo proibido terminantemente ao
Estado patrocinar especialmente alguma religião.
É vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal, aos municípios:
“Estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-las, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.” (Art. 19 da Constituição Federal)
É
possível deduzir desses pressupostos que as instalações de uma
repartição pública não podem ser utilizadas para apoiar qualquer prática
ou ideia religiosa, com exceção das instalações de repartições de
internamento coletivo, como presídios, quarteis e hospitais, entretanto,
encontramos Capelas Ecumênicas de alguns locais públicos, como em
aeroportos, por exemplo, serem transformadas em Capelas Católicas.
Segundo a Lei Federal 9.982/2000, artigo 1º,
a assistência religiosa constitucionalmente prevista nas instituições
citadas deve ser efetivada respeitando a pluralidade de credos:
“Aos religiosos de todas as confissões assegura-se o acesso aos hospitais da rede pública ou privada, bem como aos estabelecimentos prisionais civis e militares, para dar atendimento religioso aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou com familiares em caso de doentes que não mais estejam no gozo de suas faculdades mentais.”
O
que assistimos hoje é o coroamento do catolicismo do Estado com a
cobertura da imprensa nacional, que embora não represente diretamente o
Estado, atua sob concessão. A imprensa televisiva e escrita toma a
frente e, em todos os anos, repórteres cobrem ao vivo as comemorações em
Aparecida do Norte e Círio de Nazaré, no Pará. Todas as posições
defendidas pela Igreja Católica são destacadas em manchetes na imprensa
em geral, sempre com um direcionamento positivo, do mesmo modo como
negativamente são apresentadas quaisquer notícias sobre as demais
religiões.
O respeito à diversidade de crença ou até a
inexistência da mesma deve ser considerada na essência, e em respeito à
nossa legislação, independentemente da "maioria". Do contrário é
favoritismo.
O respeito à crença deve ser diretamente
proporcional e com a mesma intensidade do respeito à descrença. O
direito que um indivíduo tem de crer e absorver e praticar dogmas,
doutrinas e liturgias de uma determinada religião e de ter liberdade de
realizar suas cerimônias religiosas não deve ser imposto a outro
indivíduo, sob forma alguma, pois a liberdade religiosa também prevê
respeito aos que não creem nas mesmas bases ou àqueles que não creem em
alguma coisa.
Se nosso discurso é que deve haver respeito às
diversidades, não podemos admitir em ambientes públicos (dependências de
empresas públicas e privadas; bancos; escolas; shoppings; aeroportos)
qualquer tipo de representação de qualquer religião, mesmo as que se
consideram a maioria. Aí sim, poderemos dizer que praticamos respeito à
diversidade e liberdade religiosa. (Fonte: JusBrasil)
Postado por: Miss.Fátima Miranda
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